quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Maria da Penha, uma lei para liberar á mulher da violência

Maria da Penha sendo homenageada em Salvador. Foto: Flickr
... impossível calar-se quando as mulheres são vilipendiadas em sua integridade física e moral... A luta contra a violência é árdua... Não queremos chegar ao século XXI fragmentadas por tanta violência, por tanto machismo. Queremos chegar ao próximo milênio com o derrocamento da ideologia machista, praticada por mulheres e homens e que tanto mal trouxe à humanidade ”       

(Maria dá Penha, “Sobrevivi... posso contar)

Se existe uma mulher capaz de encarnar o espírito de luta e sacrifício em favor das de seu gênero, essa é sem dúvida Maria da Penha. Paraplégica por um disparo de seu ex-marido, esta cearense se converteu num símbolo da luta para o fim da impunidade dos casos de violência contra a mulher. Depois de revisar seu caso, o governo brasileiro decidiu promulgar uma lei com seu nome que alenta ao coletivo feminino a denunciar este tipo de crimes que, desgraçadamente, na maioria dos casos seguem impunes. 

Enquanto ela dormia, seu ex-esposo Viveros lhe disparou duas vezes causando-lhe uma paraplegia irreversível entre outros danos. Não contento com isso, e numa ocasião posterior, tentou eletrocuta-la no banho. Quinze anos depois, e pese a ter duas condenações pelo Tribunal de Justiça de Ceará, o agressor seguia em liberdade devido a a seus recursos judiciais.

Foi então que a Maria da Penha, ajudada por o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dois Direitos dá Mulher (Cladem) denunciaram o caso à OEA. Assim, em 2001 o órgão internacional condenou a Brasil pela omissão, tolerância e impunidade com a que tratava os casos de violência doméstica. Assim mesmo, incentivo-se ao país a regular a legislação ao respeito para reduzir a violência de gênero, uma marca contra a que nada ou pouco se tinha feito.  

Pese a tudo, o esforço de Maria e o de outras tantas mulheres conseguiram tirar adiante uma lei de violência domestica e familiar. Ainda que se trate de algo recente, já deram passos à frente: a criação de juízados e delegacias para combater a violência domestica, centros de atendimento especializado nos Ministérios Públicos; ampliação das redes assistenciais de proteção ou uma aplicação de medidas protecionistas de urgência em favor das vítimas e contra os agressores. O último avanço no tema é uma resolução do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proclamava que as medidas preventivas, definidas pela lei n. 11.340 (a chamada Maria da Penha em honra a vítima), podem ser aplicadas em processos civis, sem necessidade de investigação policial.

Quando foi aprovada no Senado (2006), uma de cada cinco brasileiras afirmava ter sido vítima deste tipo de violência, sendo seu principal agressor seu marido ou parelha (de acordo com dados da Fundação Perseu Abramo). Só 40% denunciam o agressor, apontava pesquisa da Data-Senado de 2006. Segundo um estudo da OMS em 2002, 70% dos assassinatos de mulheres no mundo são cometidas por homens com quem tinham tido algum tipo de relação amorosa e que, em Brasil, de cada 100 mulheres assassinadas, 70 são no âmbito de suas relações domésticas.

Com os dados na mesa, e segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil, o número de processos de mulheres contra a violência domestica aumento 150% entre 2006 e 2011. De lá para cá, foram mais de 110 mil processos, que condenaram quase 12 mil homens agressores. A lei, que conta com mais de 80% de aprovação da população, conforme a enquete da Fundação Perseu Abramo realizada em 2011, aumenta, por exemplo, em três vezes a pena para lesão corporal leve em âmbito domestica.

No entanto, como podemos ver num estudo divulgado em setembro de 2013 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) a lei não teve impacto no número de assassinatos de mulheres decorrentes de conflitos de gênero no Brasil. Segundo o estudo, no período entre os anos de 2001 e 2006 (o ano da entrada da Lei Maria da Penha), a taxa média de mortalidade por 100 mil mulheres foi de 5,28. Entre 2007 e 2011, o número ficou em 5,22.

Refletindo sobre o assunto, Maria da Penha assinala uma das chaves para a superação do problema: “não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado. Mudar a cultura é difícil. Tem de haver um olhar público para quem tem a responsabilidade de aplicar e dar agilidade aos processos. O mais importante é a educação da sociedade: precisamos criar nossos filhos em um ambiente saudável, um ambiente sem violência”.

Nestes anos de aplicação, a lei ao menos já deixou uma lição: o mais importante para quem sofre violência doméstica é denunciar em seguida, denunciar temporão e evitar que uma ameaça ou uma agressão verbal.

Um comentário:

  1. Bom texto e ótimo tema. O grande problema é a impunidade, pois muitas mulheres nem denunciam pelo fato de sofrerem represália depois. É preciso denunciar sim! Mas proteger a mulher enquanto o agressor não é preso, e o manter preso, é um problema ainda maior, que envolve questões muito maiores, que vão desde a superlotação de cadeias até a antiga corrupção.

    ResponderExcluir